domingo, outubro 12, 2014

sábado, outubro 11, 2014

O Significado de "Kosmos" em João 3:16




A. W. Pink

Pode parecer para alguns de nossos leitores que a exposição que demos de João 3:16 no capítulo sobre “Dificuldades e Objeções” é forçada e não natural, na medida em que nossa definição do termo “mundo” parece estar fora de harmonia com o significado e escopo desta palavra em outras passagens, onde, fornecer o mundo de crentes (os eleitos de Deus) como uma definição de “mundo” parece não fazer sentido. Muitos têm nos dito: “Certamente, ‘mundo’ significa mundo, isto é, você, eu, e cada pessoa”. Em resposta dizemos: Nós sabemos por experiência quão difícil é pôr de lado as “tradições de homens” e chegar a uma passagem que temos ouvido explanada de um certo modo muitas vezes, e nós mesmos estudá-la cuidadosamente sem preconceito. Todavia, isto é essencial se desejarmos aprender a mente de Deus.

Muitas pessoas supõem que elas já conhecem o simples significado de João 3:16 e, portanto, concluem que nenhum estudo diligente é requerido delas para descobrir o ensino preciso deste verso. É desnecessário dizer, que tal atitude impede a entrada de qualquer luz adicional que de outra forma eles poderiam obter sobre a passagem. Além disso, se alguém pegar uma Concordância e ler cuidadosamente as várias passagens nas quais o termo “mundo” (como uma tradução de “kosmos”) ocorre, ela rapidamente perceberá que para se averiguar o preciso significado da palavra “mundo” em qualquer passagem, não será nem um pouco fácil como é popularmente suposto. A palavra “kosmos”, e seu equivalente em português “mundo”, não é usada com um significado uniforme no Novo Testamento. Extremamente longe disso. Ela é usada em um número de formas absolutamente diferentes. Abaixo nos referiremos a algumas poucas passagens onde este termo ocorre, sugerindo uma tentativa de definição em cada caso:

"Kosmos" é usado para definir o Universo como um todo: Atos 17:24 – “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra”.

"Kosmos" é usado para definir a terra: João 13:1; Efésios 1:4, etc., etc.- "Ora, antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. “Passar destemundo” significa, deixar esta terra. “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo”, Esta expressão significa, antes da terra ser fundada – compare Jó 38:4, etc.

"Kosmos" é usado para definir o sistema mundial: João 12:31, etc. “Agora, é o juízo deste mundo; agora, será expulso o príncipe destemundo” – compare Mateus 4:8 e 1 João 5:19.

"Kosmos" é usado para definir toda a raça humana: Romanos 3:19, etc. – “Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus”.

"Kosmos" é usado para definir a humanidade menos os crentes: João 15:18, Romanos 3:6. “Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me aborreceu a mim”. Os crentes não “odeiam” a Cristo, de forma que “o mundo” aqui deve significar o mundo de descrentes em contraste com os crentes que amam a Cristo. “De maneira nenhuma! Doutro modo, como julgará Deus o mundo?”. Aqui é outra passagem onde “o mundo” não pode significar “você, eu, e cada pessoa”, porque os crentes não serão “julgados” por Deus, ver João 5:24. De forma que aqui, também, deve ser o mundo de descrentes que está em vista.

"Kosmos" é usado para definir os Gentios em contraste com os Judeus: Romanos 11:12, etc. “E, se a sua (Israel) queda é a riqueza domundo, e a sua (Israel) diminuição, a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude (de Israel) !”. Note como a primeira cláusula em negrito é definida pela última cláusula colocada em negrito. Aqui, novamente, “o mundo” não pode significar toda a humanidade porque ele exclui Israel!

"Kosmos" é usado para definir somente os crentes: João 1:29; 3:16,17; 6:33; 12:47; 1 Coríntios 4:9; 2 Coríntios 5:19. Nós deixaremos nossos leitores se voltarem para estas passagens, pedido-lhes notar, cuidadosamente, exatamente o que é dito e relacionado com “o mundo” em cada lugar.

Assim, pode ser visto que “kosmos” tem pelo menos sete significados diferentes claramente definidos no Novo Testamento. Pode ser perguntado: Deus tem usado então uma palavra assim para confundir e embaraçar aqueles que lêem as Escrituras? Nós respondemos: Não! nem tem Ele escrito Sua Palavra para pessoas preguiçosas que são tão negligentes, ou tão ocupadas com as coisas deste mundo, ou, como Marta, tão ocupadas em “servir”, que não têm tempo e nem coração para “examinar” e “estudar” as Escrituras Sagradas! Poderia ser ainda perguntado: Mas como é que um examinador das Escrituras sabe qual dos significados acima o termo “mundo” tem em alguma determinada passagem? A resposta é: Isto pode ser averiguado por um estudo cuidadoso do contexto, diligentemente notando qual é a relação de “o mundo” em cada passagem, e em total oração consultando outras passagens paralelas àquela que está sendo estudada. O principal assunto de João 3:16 é Cristo como o Dom de Deus. A primeira cláusula nos diz que Deus foi movido a “dar” Seu Filho unigênito, e isto por Seu grande “amor”; a segunda cláusula nos informa para quem Deus “deu” Seu Filho, e é para “todo aquele (ou, melhor, ‘cada um’) que crê”; enquanto a última cláusula faz conhecido porque Deus “deu” Seu Filho (Seu propósito), e isto é para que todo aquele que crê “não pereça mas tenha a vida eterna”. Que “o mundo” em João 3:16 refere-se ao mundo de crentes (os eleitos de Deus), em distinção com “o mundo dos ímpios” (2 Pedro 2:5), é estabelecido, inequivocadamente estabelecido, por uma comparação com outras passagens que falam do “amor” de Deus. ”Mas Deus prova o seu amor para CONOSCO” – os santos, Romanos 5:8. ”Porque o Senhor corrige o que ama” – todo filho, Hebreus 12:6. “Nós o amamos porque ele NOS amou primeiro” – os crentes, 1 João 4:19. Do ímpio Deus tem “piedade” (ver Mateus 18:33). Para os ingratos e maus Ele é “bom” (ver Lucas 6:35). Os vasos de ira Deus suporta “com muita paciência” (ver Romanos 9:22). Mas “os Seus”, Deus “ama”!

Fonte: www.monergismo.net.br

quinta-feira, outubro 09, 2014

Uma Análise Bíblica Sobre o Significado de "Cristão Carnal"





O entendimento do processo da salvação [...] implica também que precisamos 
rejeitar o conceito ensinado por certos grupos evangélicos, isto é, o dos chamados 
"cristãos carnais". Esse conceito foi popularizado por muitos anos pela Scofield 
Reference Bible. Da New Scofield Reference Bible, publicada em 1967, selecionei a seguinte citação, encontrada numa nota de rodapé referente a 1 Coríntios 2.14:


"Paulo divide os homens em três classes: (1) psuchikos, que querdizer dos sentidos, sensuais (Tg 3.15: Jd 19), natural, isto é, ohomem adâmico, não regenerado pelo novo nascimento (Tg 3.3, 5);(2) pneumatikos, que significa espiritual, isto é, o homem renovadoe cheio do espírito, que anda no espírito em plena comunhão comDeus (Ef 5.18-20); e (3) sarkikos, que significa carnal, isto é, o homemrenovado que, por andar "segundo a carne", permanece uma criançaem Cristo (lCo 3.1-4). O homem natural pode ser instruído, gentil,eloquente, fascinante, mas o conteúdo espiritual da Escritura estátotalmente escondido dele; o cristão carnal pode compreender apenasas verdades mais simples, o 'leite' (1 Co 3.2)."

Segundo essa nota, observamos que o "homem carnal" é alguém que,
ainda que esteja em Cristo e tenha sido renovado, anda "segundo a carne".
O conceito do "cristão carnal" foi também ativamente promovido pelo
movimento cristão interdenominacional chamado Campus Crusade for Christ
[Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo]. Os diagramas a seguir
foram tirados do Lay Trainees Manual [Manual de Treinamento de Leigos]
publicado pela Campus Crusade. Os diagramas são precedidos por estas
palavras dirigidas à pessoa em treinamento:

Explique [ao novo convertido] que, depois de ter convidado Cristo
a entrar em sua vida, é possível que ele venha a controlar de novo o
trono de sua vida. A passagem do Novo Testamento, 1 Coríntios
2.14-3.3, identifica três tipos de pessoas.

Observe que o "homem carnal" é chamado de "cristão que não está
confiando em Deus". Note também que os diagramas sobre o "homem natural"
e sobre o "homem carnal" são iguais, exceto que no primeiro a cruz, que
representa Cristo, está do lado de fora do círculo da vida da pessoa, e no
último a cruz está dentro do círculo. A clara implicação desses diagramas é
que "cristãos carnais", ainda que tenham aceitado a Cristo em algum sentido
como Salvador, são pessoas que vivem exatamente da mesma maneira
como viviam antes da conversão. 



























Esse ensinamento sobre o "homem carnal", entretanto, precisa ser rejeitado,
porque descreve um tipo de cristão que a Bíblia não reconhece em
lugar algum. Na verdade, Paulo admite que há cristãos que são "crianças em
Cristo" (1 Co 3.1), e o autor de Hebreus escreve sobre crentes que precisam
pôr de lado "os princípios elementares da doutrina de Cristo" e deixar-se
conduzir à maturidade (Hb 6.1). Há, na verdade, níveis de maturidade entre os
cristãos, e todos os que estão em Cristo precisam constantemente prosseguir
com vigor na direção da perfeição. Mas o conceito do "cristão carnal" como
uma categoria separada de crentes não é apenas um engano, ele também é
pernicioso. Levantamos as seguintes objeções contra esse conceito:

(1) O conceito sugere que há dois tipos de cristão: o carnal e o espiritual.
Mas não há base bíblica para essa distinção. O Novo Testamento faz
distinção entre pessoas que nasceram de novo e aquelas que não (Jo 3.3,5),
entre aquelas que creem em Cristo e aquelas que não (Jo 3.36), entre aquelas
que "cogitam das coisas da carne" e aquelas que "se inclinam para o Espírito"
(Rm 8.5), e entre o "homem natural' e o "homem espiritual" (1 Co 2.14-15).
Contudo, jamais fala sobre uma terceira classe de pessoas chamadas "cristãos
carnais". Discutiremos, ainda neste capítulo, se a referência em
1 Coríntios 3 .1 e 3 sobre aqueles que são "ainda carnais" aponta para uma
classe distinta de cristãos.

(2) O conceito de "cristão carnal" implica a necessidade de um segundo
passo reconhecível além da conversão. Aparentemente, aceitar a Cristo e tornar-
se cristão não é suficiente; a transformação importante que precisa ocorrer
é a do segundo passo, o qual faz do convertido um "homem espiritual".
O que foi dito neste capítulo, criticando as soteriologias que ensinam a necessidade
de um segundo passo além da conversão, é aplicável também aqui.

(3) O conceito de "cristão carnal" sugere que alguém pode receber a
Cristo como Salvador sem recebê-lo como Senhor. Entre os grupos que aceitam
essa ideia, são feitos frequentes apelos aos "cristãos carnais" para que
ponham Jesus no trono de sua vida para fazê-lo Senhor! Isto feito, diz-se à
pessoa que ela não é mais um "cristão carnal". Mas esse ensino é estranho
ao Novo Testamento. Ninguém aceita a Cristo como Salvador sem aceitá-lo
como Senhor. Paulo disse aos coríntios: "Porque não nos pregamos a nós
mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos
servos, por amor de Jesus" (2Co 4.5). E aos colossenses ele escreveu: "Ora,
como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Cl 2.6). Nós não
fazemos de Jesus, o Senhor; Deus o faz Senhor (At 2.36). É verdade, certamente,
que nós que estamos em Cristo nem sempre o seguimos como o
Senhor, e precisamos continuamente crescer em obediência a ele. Mas sugerir
que alguém possa ser cristão enquanto seu ego ainda estiver no trono de
sua vida é não compreender o ensino do Novo Testamento.

(4) O conceito do "cristão carnal" sugere que uma pessoa pode estar
andando e vivendo segundo a carne (ou segundo as tendências pecaminosas
que temos ainda dentro de nós) e, ainda assim, ser cristã. Lembremo-nos
de que a nota citada da Bíblia de Scofield descreve o "homem carnal" como
"o homem renovado que anda 'segundo a carne', mantendo-se criança em
Cristo". No livreto da Campus Crusade intitulado "Have You Made the
Wonderful Discovery ofthe Spirit-filled Life?" [Você já fez a maravilhosa
descoberta da vida cheia do Espírito?], uma das passagens da Escritura usada
para descrever o "cristão carnal", na página 6, é Romanos 8.7. O texto
diz: "Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está
sujeito à lei de Deus e nem mesmo pode estar". A pessoa descrita nessa
passagem não é um cristão "inferior", mas alguém que não é regenerado e
está sem Cristo. No verso 8 Paulo diz que aqueles descritos no verso 7 estão
"na carne" e, no verso 9, ele prossegue dizendo: "Vós [os cristãos romanos
aos quais ele estava escrevendo], porém, não estais na carne, mas no
Espírito". Adiante, em Gálatas 5.16, Paulo escreve: "Andai no Espírito e
jamais satisfareis a concupiscência da carne"; no verso 24 ele acrescenta:

"E os que estão em Cristo crucificaram a carne, com suas paixões e concupiscências".

Todos os crentes são ainda tentados pela carne e, algumas vezes,
guiados por ela. Mas o pensamento de que uma pessoa pode continuamente
andar ou viver na carne, ou "segundo a carne", e ainda ser considerada cristã
não está em concordância com a verdade bíblica.
Vamos prosseguir verificando se 1 Coríntios 3.1-3, a passagem na qual
a Bíblia de Scofield e os escritores do Campus Crusade baseiam seus ensinos
sobre o "cristão carnal", oferece fundamento para essa doutrina. A passagem
em questão diz:

1. "Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e
sim como a carnais, como a crianças em Cristo.
2. Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda
não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois
carnais.
3. Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim
que sois carnais e andais segundo o homem?" (Grifos do autor.)

É verdade que Paulo, aqui, chama os coríntios, aos quais escreve, de
"carnais" (sarkinois, que quer dizer "os da carne" ou "mundanos"). A questão
é: está ele sugerindo uma terceira categoria na qual os cristãos podem
ser posicionados, além daquelas do "homem natural" (psychicos anthrõpos,
2.14) e do "homem espiritual" (pneumatikos, 2.15)? Não acredito. Minhas
razões são as seguintes:

(1) Paulo não diz que os coríntios não são espirituais; o que ele diz é
que não pode falar-lhes como a espirituais (v.1). Ele não está afirmando que
eles não eram colocados na classe das pessoas "espirituais" descritas em
2.15 nem está dizendo que eles pertencem à categoria dos homens "naturais"
descritos em 2.14. Observe, por exemplo, que ele começa o capítulo 3
chamando os coríntios de irmãos. Veja também em 6.19 que ele diz que o
corpo deles era templo do Espírito Santo, o qual estava neles - certamente
uma das marcas distintivas da pessoa "espiritual".

(2) Depois, Paulo escreve que teve de falar aos coríntios "como a carnais",
e acrescenta, "como a crianças em Cristo" (3.1). Estar "em Cristo"
não terá significado se não quiser dizer que alguém pertence à categoria
"espiritual", distinguindo-a das pessoas "naturais".45 Os coríntios, portanto,
estão verdadeiramente em Cristo, mas estão em Cristo como crianças - meros
meninos. Prosseguindo com a analogia, um bebê ou uma criança não é um
ser não humano em estado de imaturidade.

(3) O pensamento de que os coríntios eram imaturos, está declarado
adiante, no verso 3, em que Paulo diz: "Porque ainda sois carnais", implicando
que eles deviam crescer além do estado de infantilidade espiritual.

(4) O que, então, Paulo quer dizer quando chama seus leitores coríntios
de "carnais"? Ele diz que há ainda entre eles "ciúmes, divisões e contendas";
47 no verso 21 ele descreve o comportamento dos coríntios como "glorificando
homens". No capítulo 1 Paulo demonstrou o que estava acontecendo
na igreja de Corinto: "Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer:
Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo" (v. 12). Em
vez de formarem uma congregação unificada, servindo a Deus juntos em
amor cristão mútuo, os coríntios estavam desesperadamente divididos em
quatro facções querelantes e rixentas. Em vez de se gloriarem no fato de
pertencer a Cristo, se orgulhavam dos líderes que seguiam, desprezando
os companheiros que seguiam outros líderes humanos. Os coríntios, em
outras palavras, comportavam-se de forma "carnal". Andavam "segundo o
homem" (3.3) - que quer dizer: como homens não regenerados. Adiante,
no capítulo 3, Paulo procura corrigir tal falha de comportamento lembrando-
os das riquezas espirituais em Cristo: "Portanto, ninguém se glorie nos
homens, porque tudo é vosso: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o
mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras,
tudo é vosso" (v. 21-22). Em vez de dizer "Nós somos de Paulo" ou
"Nós somos de Apolo'', vocês deveriam dizer: "Paulo, Apolo e Cefas, todos
pertencem a nós; eles não são nossos mestres, mas nossos servos em
Cristo; em vez de nos apoiarmos em um ou outro desses líderes humanos,
devemos aprender deles todos. Eles nos pertencem e nós pertencemos a
Cristo!". Se vocês compreenderem plenamente suas riquezas espirituais
em Cristo, Paulo diz, vocês vão parar com essas brigas sobre seus líderes
e deixarão esse estado de imaturidade e carnalidade.

A "carnalidade" dos coríntios, portanto, era sua imaturidade espiritual
- uma imaturidade que eles tinham de superar. Isso não implica que a
vida desses coríntios tinha o "eu" no trono, ou que eles estavam totalmente
escravizados pela carne. A "carnalidade", noutras palavras, é um problema
de comportamento.


(5) Paulo considera os coríntios, a despeito dos seus problemas de
comportamento, como pertencentes à categoria de pessoas "espirituais",
demonstrando isso nas seguintes declarações que faz sobre eles:


(a) Em !Coríntios 1.2, Paulo dirige-se a eles desta forma: "À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus". O verbo grego traduzido como "santificados" está no tempo perfeito - um tempo que retrata uma ação completa com continuação de resultados. Paulo descreve seus leitores coríntios como os que foram e ainda estão sendo definitivamente santificados. A santificação definitiva é um ato de Deus que ocorre num ponto no tempo e não ao longo do tempo.48 Certamente, uma declaração como essa não pode ser feita a respeito de pessoas que ainda são "naturais".


(b) Em 1.4, Paulo agradece a Deus pela graça que foi dada aos coríntios em Cristo - um comentário que não pode ser feito sobre pessoas meramente "naturais".


(c) Em 1.30, Paulo diz: "Mas vós sois dele [de Deus], em Cristo Jesus,o qual se nos tomou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção". Ninguém pode dizer, portanto, que os coríntios eram apenas justificados e não santificados; o Cristo em quem eles existiam tomara-se agora sua justiça e sua santidade ou santificação.


(d) Em 3 .21-23, Paulo resume, de forma lírica, as riquezas que lhes pertencem em Cristo - riquezas que nenhuma pessoa "natural" pode possuir:"Porque tudo é vosso: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus".


(e) Em 6.11, Paulo escreve: "Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus". Os verbos gregos estão aí todos no tempo aoristo, que geralmente retrata uma ação instantânea. Paulo declara outra vez que os coríntios, aos quais se dirige como "carnais" no capítulo 3, tinham sido santificados (no sentido definitivo) e justificados.


(f) Em 2Coríntios 5.17 Paulo faz ressoar a trombeta do chamado:"E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura". Na primeira epístola Paulo havia declarado expressamente que os coríntios estavam em Cristo;se estavam, então eram verdadeiramente nova criação ou novas criaturas.Na verdade, havia muito de errado com seu comportamento, e eles precisavam ser repreendidos, instruídos e encorajados a agir de melhor modo.Precisavam de um comportamento mais maduro, baseado num entendimento maior das riquezas em Cristo, e num exercício mais amplo de sua fé. Mas eram já novas criaturas em Cristo, e não podiam ser colocados em categoria diferente daquela das pessoas "espirituais".

O conceito de "cristãos carnais", ainda que precise ser rejeitado pelas
razões expostas, contém um importante elemento de verdade. A "carnalidade"
criticada por Paulo na vida dos coríntios constitui um perigo ao qual todo
cristão está exposto, e um tipo de comportamento no qual todo crente cai de
quando em quando. Precisamos estar sempre em guarda contra esses comportamentos.
Podemos ser, como os coríntios, tentados a exaltar líderes humanos
acima de Cristo. Somos constantemente seduzidos a nos entregar a
outras formas de "carnalidade": pensamentos de lascívia, ações impuras,
inveja, ciúme, orgulho, cobiça, glutonaria, ira pecaminosa e preguiça.
Segundo o Novo Testamento, a vida cristã é um contínuo conflito contra o
pecado: é descrito como uma batalha (Tg 4.1), um combate (1 Tm 6.12),
uma luta (Ef 6.12; Hb 12.4), um esmurrar do corpo (1 Co 9 .27), e uma resistência
ao diabo (Tg 4.7). Quando negamos a doutrina do "cristão carnal",
portanto, não pretendemos negar o perigo sempre presente de escorregar
nos caminhos carnais da vida.

No início deste capítulo foram dadas razões para rejeitarmos as
soteriologias de dois ou três estágios. A rejeição dessas soteriologias, porém,
não implica má vontade em reconhecer a necessidade de avanço e crescimento
na vida cristã. De fato, precisamos estar prontos a reconhecer que
muitos cristãos podem ter o que chamamos de "experiência de pico" ou
"experiência de cume" após a conversão.

Podemos citar o apóstolo Paulo como exemplo. Algum tempo depois
de sua conversão, ele pediu ao Senhor, por três vezes, que removesse dele
um doloroso "espinho na carne" (talvez algum tipo de aflição física).
O Senhor não removeu o espinho, mas revelou-lhe uma graça tão abundante
que Paulo foi habilitado a dizer: "De boa vontade, pois, mais me gloriarei
nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto
prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas
angústias, por amor de Cristo. Porque, quanto sou fraco, então, é que sou
forte" (2 Co 12.9-10). Certamente, esse foi um ponto alto na vida cristã de
Paulo depois da conversão.

Outro exemplo de "experiência de pico" de pós-conversão é encontrada
na vida de Blaise Pascal, cientista e pensador religioso francês que viveu
de 1623 a 1662. Ele teve o que pensou ser a sua primeira conversão ao
cristianismo em 1646. Oito anos depois, entretanto, ele experimentou uma
dramática "segunda conversão", descrita em seu Memorial. Essa segunda
conversão foi marcada pela total renúncia e submissão a Cristo.
Recentemente, ouvi sobre um homem de negócios cristão, que teve
um tempo duro lutando contra um câncer. Sabendo o quão perto estava da
morte, e vendo a si mesmo como um "tição tirado da fogueira", ele vendeu
seu negócio e começou a devotar todo seu tempo ao trabalho da igreja e das
organizações relacionadas à igreja. Um amigo meu, cristão há muito tempo,
foi levado a um compromisso maior com Cristo, a uma nova alegria no
Senhor, e a um ministério evangelístico mais ativo do que antes ao observar
seus companheiros cristãos cujo andar próximo de Deus o deixara com inveja.
Exemplos como esses podem ser facilmente multiplicados.
Não podemos programar tais experiências de pico de pós-conversão
dentro da "ordem da salvação" pelas razões que já expusemos. Não precisamos
insistir que cada cristão precisa de uma experiência desse tipo. Deus
não salva todos os seus filhos exatamente da mesma maneira. Mas, certamente,
precisamos deixar espaço na vida dos crentes para experiências
dessa natureza.

Deixe-me colocar isso de forma ainda mais incisiva. Crescimento espiritual
na vida de cristãos não é um luxo, mas uma necessidade. Esse crescimento
não precisa tomar a forma de crise ou experiência de pico, mas isso
pode acontecer. A Bíblia ensina isso claramente. Aos recém-convertidos,
Pedro escreve: "Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o
genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para
salvação" (1 Pe 2.2). No final da segunda epístola, Pedro ainda insiste na
necessidade de crescimento espiritual: "Antes, crescei na graça e no conhecimento
de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2 Pe 3.18). E Paulo escreve
no mesmo tom: "Mas seguindo a verdade em amor, cresçamos em
tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 4.15).

Reconhecendo, então, que os diversos aspectos do processo de salvação
não são passos sucessivos, mas, sim, simultâneos, precisamos sempre
nos lembrar da necessidade de continuar crescendo na direção de maior
compreensão e gozo da salvação. Alguém fez maior progresso na vida cristã
do que o apóstolo Paulo? Ainda assim, próximo do final dos seus dias na
terra, ele escreveu: "Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado;
mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando
para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio
da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.13-14).

Fonte: Anthony A. Hoekema - Salvos Pela Graça - pags. 32-39

quarta-feira, outubro 08, 2014

O Que Significa Ungir Com Óleo o Doente?

O Que Significa Ungir Com Óleo o Doente?
Anthony A. Hoekema



Quando pensamos nos ensinamentos bíblicos sobre cura, Tiago 5.14-16,
uma passagem conhecida e muito citada, imediatamente aflora à mente:

"Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e
estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor.
E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se
houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. 
Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos 
outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo."

O tema principal dessa passagem não é a eficácia da unção com óleo,
mas o poder da oração - veja a sentença conclusiva e note o exemplo de
Elias nos versos 17-18. A situação que Tiago descreve é a da pessoa que está
obviamente "muito enferma para ir à igreja", e assim é instada a convidar os
presbíteros para virem à sua casa. Os "presbíteros da igreja" eram provavelmente
homens experimentados que exerciam o governo e algumas vezes,
ensinavam autoridade nessas primeira congregações (é comum pensar que a
epístola de Tiago foi escrita antes do ano 50 d.C.).

O que se requeria desses presbíteros nesse caso? Literalmente traduzido:
"deixem-nos orar sobre a pessoa, havendo-a esfregado com óleo em nome do
Senhor". As palavras traduzidas como "ungir com óleo" são traduzidas de
aleipsantes elaiõ. Há duas palavras neotestamentárias comumente traduzidas
como "ungir": aleiphõ (o tempo presente do verbo mencionado) e chriõ
(o verbo do qual o termo "Cristo" [o Ungido] se deriva). Chrio é um termo
mais sagrado ou religioso; é aplicado à unção de Cristo com o Santo Espírito
(Lc 4.18; At 4.27; 10.38; Hb 1.9) e à unção de cristãos pelo Senhor (2Co
1.21 ). Aleiphõ, porém, é um termo mais mundano ou secular. É usado para
descrever a aplicação de especiarias no corpo morto de Jesus (Mc 16.1) e se
referir à lavagem dos pés de Jesus (Lc 7.38, 46; Jo 11.2; 12.3). Na passagem
em questão a expressão significa "esfregar com óleo" e não "ungir com óleo".
Em tempos passados, as pessoas usavam azeite de oliva dessa maneira;
esfregar ou massagear o corpo com óleo era uma prática medicinal. Deve
ser lembrado que na parábola do Bom Samaritano nas feridas do homem foi
aplicado óleo e vinho (Lc 10.34). Ainda hoje no Oriente Médio, as pessoas
enfermas são massageadas com óleo e vinho.

A estrutura gramatical da sentença sugere a possibilidade de que os
presbíteros primeiro esfregariam o doente com óleo (provavelmente óleo de
oliva) e, então, orariam sobre ele (ou ela). A aplicação de óleo, porém, teria
propósitos medicinais. Tiago está dizendo que o ministério da igreja quanto
aos enfermos inclui o melhor tratamento médico que se possa encontrar.
A expressão que se segue no verso 14, "em nome do Senhor'', se aplica
à oração e ao uso do óleo. Essas palavras deixam subentendido que, quando
os presbíteros ministram ao doente, estão fazendo isso como representantes
do Senhor, pedindo ao Senhor a bênção sobre o tratamento médico e sobre a
oração. Como o nome do Senhor significa também sua revelação, precisamos
dizer algo mais a esse respeito. Segundo João 14.14, Jesus disse aos seus
discípulos: "Se pedirdes alguma cousa em meu nome, eu o farei". Orações
em nome de Cristo significam orações em harmonia com aquilo que
Cristo revelou sobre si mesmo, subentendendo "seja feita a tua vontade".
A oração pela cura que Tiago recomenda aqui traz consigo sempre a ressalva:
"Dá-nos esta cura, Senhor, se for da tua vontade".

Fonte: Anthony A. Hoekema - Salvos Pela Graça - pags. 48-49

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