quinta-feira, julho 31, 2014

Santificação: Quando vou deixar de pecar?

O termo santificação e palavras associadas (santificado, santo, santidade, consagrado, consagração, santos) são usados de maneiras diversas nas Escrituras. Num certo sentindo, ser santificado significa ser separado do mundo – não para salvação, mas para os privilégios e responsabilidades especiais de uma relação de aliança com Deus (1Co 7:14; Hb 10:29). Em outro sentido, a santificação é o estado de estar permanentemente separado para Deus visando à salvação. Essa santidade flui da cruz onde, por meio de Cristo, Deus nos comprou e nos tomou para si (At 20:28; 26:18; Hb 10:10). Em outro sentido ainda, a santificação é a consagração dos cristãos pela qual sua vida é transformada ao longo do tempo de modo a se conformar à semelhança de Cristo. Essa santificação progressiva ou moral, como é chamada, flui da obra do Espírito Santo. Deus chama todos os seus filhos a buscarem santificação e lhes provê o poder do Espírito para que obedeçam a esse chamado (Rm 8:13; 12:1-2; 1Co 6:11, 19-20; 2Co 3:18; Ef 4:22-24; 1Ts 4:4; 5:23; 2Ts 2:13; Hb 13:20-21). Essa santificação é voltada para o padrão da lei moral de Deus e esclarecida e exemplificada pelo próprio Cristo.
Os teólogos reformados costumam considerar esse terceiro sentido. Quando usam o termo santificação, estão se referindo à transformação contínua dos cristãos que resulta numa vida justa. A regeneração é o nascimento; a glorificação é o objetivo final; a santificação é o crescimento da regeneração para o objetivo da glorificação. Na regeneração, Deus instila no coração do cristão um desejo por Deus, pela santidade e pela santificação e glorificação do nome de Deus neste mundo. Também instila no seu interior um desejo de orar, adorar, amar, servir, honrar e agradar a Deus, de demonstrar amor e fazer o bem a outros. Na santificação, o Espírito Santo “efetua em [nós] tanto o querer como o realizar, segundo a boa vontade [de Deus]“ (Fp 2:13), e impele todos os cristãos a desenvolverem a sua salvação (Fp 2:12) atendendo a esses novos desejos. Os cristãos são predestinados “para serem conformes à imagem de [Cristo]“ (Rm 8:29), e essa conformidade ocorre, até certo ponto, ainda nesta vida terrena. Paulo descreve esse processo como ser “transformados, de glória em glória, na sua própria imagem” (2Co 3:18). Portanto, a santificação é o início da glorificação que se completará quando Cristo trouxer os novos céus e nova terra (1 Co 15:49-53; Fp 3:20-21).
Na teologia reformada tradicional, a regeneração é um ato instantâneo de Deus que desperta aqueles que estão espiritualmente mortos. É uma obra realizada exclusivamente por Deus que efetua o novo nascimento. A santificação por outro lado, é contínua e requer a nossa cooperação. É um processo pelo qual pessoas regeneradas, vivificadas para Deus e livres do domínio do pecado (Rm 6:11, 14-18), devem se esforçar em obediência contínua mediante a dependência consciente do Espírito de Cristo. Paulo descreve a santificação como um esforço humano quanto como uma obra divina. Por exemplo, o apóstolo reconhece o seu próprio esforço quando diz “prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3:12). Perto do fim de sua vida, ele declara, “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4:7). No entanto, Paulo também adverte os gálatas: “Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (Gl 3:3) e rejeita qualquer ideia de que somente o esforço humano é suficiente para a santificação, declarando, “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20). Cientes de nossa impossibilidade de fazer o que é preciso sem a capacitação de Cristo e sabendo que ele está pronto para nos fortalecer para esse fim (Fp 4:13), devemos depender conscientemente do seu Espírito de modo a recebermos poder para todos os nossos esforços (Cl 1:11; 1Tm 1:12; 2 Tm 1:7; 2:1).
Apesar da orientação do Espírito, os verdadeiros cristãos experimentam conflitos interiores. O Espírito sustenta os seus desejos regenerados, mas a sua natureza humana decaída ainda não foi destruída e os desvia constantemente da prática da vontade de Deus (Gl 5:16-17; Tg 1:14-15). Esse conflito continuará enquanto os cristãos estiverem nesta vida. No entanto, ao vigiarmos e orarmos contra a tentação e cultivarmos virtudes que nos auxiliem em nossa batalha, poderemos, co ma ajuda do Espírito, experimentar muitos livramentos e vitórias específicas nos nossos confrontos com o pecado.
Essas vitórias não tornam o cristão merecedor da salvação. Nosso mérito diante de Deus vem de nossa justificação somente pela fé pela imputação da justiça de Cristo (Rm 4:1-4). Apesar de não podermos jamais nos esquecer que o nosso único mérito diante de Deus é a justiça que recebemos de Cristo, devemos atentar para as palavras do autor de Hebreus: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14).

Fonte: Bíblia de Estudos Genebra - Notas de rodapé - pag. 1638.

domingo, julho 20, 2014

Exposição de Efésios 1:4 - William Hendriksen

4. Paulo prossegue: "assim como nos elegeu nele antes da fundação
do mundo."

A Eleição

(1) Seu Autor

O Autor é “o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo”, como já indicamos
(ver exposição do v. 3). Certamente que isso de modo algum invalida
o fato de que todas as atividades que afetam as relações extratrinitárias
podem ser atribuídas ao Pai, Filho e Espírito Santo. Não
obstante, conforme demonstrado aqui, é o Pai que tem a liderança na
obra divina da eleição.

(2) Sua Natureza

Eleger significa tomar ou escolher algo de (para si mesmo). Embora
a passagem mesma não indique de forma definida a massa de objetos
ou indivíduos dentre os quais o Pai elegeu alguns, não obstante
esse imenso grupo fica claramente definido pela cláusula que denota propósito:
“para que fôssemos santos e irrepreensíveis perante ele.”
Conseqüentemente, a imensa massa de indivíduos, dentre os quais o Pai
elegeu alguns, é aqui vista como destituída de santidade e desprezível.
Esta interpretação se ajusta ao contexto. Ela supre uma das razões (ver
Síntese no final do capítulo para mais razões) por que a alma do apóstolo
está saturada de tal arrebatamento, que ele diz: “Bendito (seja) o Deus e
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que ... nos elegeu.” Ele nem tenta
explicar como foi possível Deus fazer isso. Apenas compreende que,
quando os homens são confrontados com a manifestação da espantosa
graça divina, a única resposta justificável é adoração, e não explicação.

(3) Seu Objeto

O objeto somos “nós”, não a humanidade toda. O pronome “nos”
deve ser entendido à luz de seu contexto. Paulo está escrevendo “aos
santos e crentes” (v. 1). Ele diz que o Pai “nos” tem abençoado, isto é,
“aos santos e crentes” (aqui com especial referência aos de Éfeso),
inclusive Paulo (v. 3). Portanto, quando o apóstolo prossegue, dizendo:
“assim como nos elegeu”, este “nos” não pode repentinamente referir-
se a todos os homens sem distinção, senão que deve referir-se
necessariamente a todos aqueles que são (ou que foram destinados para
que em algum tempo da história do mundo se tornassem) “santos e
crentes”, ou seja, a todos os que, tendo sido separados pelo Senhor
com o propósito de glorificá-lo, o abracem por meio de uma fé viva.
É por esta razão contextual (e também por outras) que não posso
concordar com a argumentação de Karl Barth, de que em conexão com
Cristo todos os homens, sem distinção, são eleitos, e que a distinção
básica não é entre eleitos e não-eleitos, e sim entre os que têm consciência
de sua eleição e os que não a têm.

(4) Seu Fundamento

O fundamento da igreja, de sua plena salvação do princípio ao fim,
conseqüentemente também de sua eleição, é Cristo. Paulo diz: “Ele
(‘o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo’) nos elegeu nele.” A
conexão entre os versículos 3 e 4 depende dessa frase. Poderíamos
trazer essa idéia a lume com a seguinte tradução: “Deus o Pai nos
abençoou com toda bênção espiritual em Cristo, assim como nele nos
elegeu ....” Em outras palavras: no tempo, o Pai nos abençoou em
Cristo, assim como nos elegeu nele (em Cristo) desde toda a eternidade.
Embora alguns sustentem que “assim como” denote nada mais que
correspondência, no sentido de que existe perfeito acordo entre as
bênçãos e a eleição, visto que ambas são “em Cristo”, pode-se muito
bem perguntar se tal interpretação exaure o significado da palavra usada
no original.16 Além de um ponto de gramática (para a qual, ver a
nota 16), o ensino de Paulo é que a eleição desde a eternidade e os
passos subseqüentes na ordem da salvação não devem ser considerados
com detalhes independentes, mas, antes, como elos de uma corrente
de ouro, como em Romanos 8.29,30 nos faz ver mui claramente.
A eleição, pois, é a raiz de todas as bênçãos subseqüentes. É como
Jesus disse em sua oração na qualidade de Sumo Sacerdote: “... a fim
de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste” (17.2b). Ver
também João 6.37,39,44; 10.29. Em conseqüência, visto que a eleição
é desde a eternidade, que é o fundamento de todas as bênçãos subseqüentes,
e que além de tudo é “nele”, então Cristo não é apenas o
fundamento da Igreja, mas é seu Fundamento Eterno.
Agora vem à mente a pergunta: Como entender o fato de que é em
Cristo que os santos e crentes foram eleitos? A resposta freqüentemente
dada é a seguinte: foi determinado no conselho de Deus que em
algum ponto do tempo essas pessoas viriam a crer em Cristo. Ainda
que isso se acha sem dúvida também implícito, contudo não é resposta
suficiente e não faz justiça a tudo quanto Paulo e os demais escritores
inspirados ensinaram acerca deste importante ponto. A resposta básica
deve ser que desde antes da fundação do mundo Cristo foi o Representante
e Fiador de todos aqueles que, em alguma ocasião, seriam recolhidos
no redil. Isso foi necessário, porquanto a eleição não é uma anulação
de atributos divinos. Já ficou estabelecido que na tela de fundo
do decreto de Deus está o sinistro fato de que os eleitos são considera-
dos, desde o princípio, completamente indignos, envoltos em ruína e
perdição. Ora, o pecado deve ser castigado. As exigências da santa lei
de Deus precisam ser satisfeitas. O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, através da eleição, não cancela sua justiça nem abole as exigências
de sua lei. Como pode, pois, ser possível que Deus outorgue uma
bênção tão imensa, tão gloriosa e tão fundamental, como é a bênção da
eleição, aos “filhos da ira”, sem ir de encontro à sua própria essência e à
inviolabilidade de sua santa lei? Responde-se que isso é possível devido
à promessa do Filho (em plena consonância com o Pai e o Espírito Santo):
“Eis aqui estou, no rol do livro está escrito a meu respeito; agradame
fazer tua vontade, ó Deus meu; dentro em meu coração está tua lei”
(Sl 40.7,8. Cf. Hb 10.5-7; Gl 4.4,5; Fp 2.6-8). Em Cristo, pois, os santos
e crentes, ainda que inicialmente e por natureza completamente indignos,
são justos aos próprios olhos de Deus, porquanto Cristo prometeu
que satisfaria todas as exigências da lei em lugar deles, promessa que
teve também completo cumprimento (Gl 3.13). Esta justiça forense é
fundamental para todas as demais bênçãos espirituais. Portanto,

“Somente a ti, ó Deus, se deve
Toda glória e renome;
Não ousamos tomar-te
Nem te privar de tua coroa.
Tu mesmo foste nosso Fiador
No plano da redenção divina;
Em ti sua graça nos foi concedida
Antes que o mundo começasse.”
(Augustus M. Toplady, 1774,
revisado por Dewey Westra, 1931)

(5) Seu Tempo

Diz-se que esta eleição ocorreu “antes da fundação do mundo”, ou
seja, “desde a eternidade”. Além disso, uma vez que ela ocorreu “nele”,
tudo se afigura de maneira razoável, porquanto ele é aquele cujo “precioso
sangue, como de um cordeiro sem defeito e sem mácula, conhecido,
com efeito, antes da fundação do mundo ...” (1Pe 1.19,20).17 A
imutabilidade do eterno plano de Deus relativa a seus eleitos não foi
uma invenção paulina. Foi o ensino do próprio Jesus. Foi ele quem
referiu aos que amou como aqueles que lhe foram dados (ver Jo 6.39;
17.2,9,11,24; cf. 6.44). O fato de haver prometido efetuar a expiação
por eles, desde toda a eternidade, pode muito bem ter sido um elemento
a entrar no amor do Pai por ele; conferir as palavras da oração sacerdotal:
“Pai, minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo
os que me deste, para que vejam minha glória que me conferiste,
porque me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.24). Nesta e
em passagens afins (ver também Mc 13.35 e Hb 4.3) o universo é visto
como um edifício, e sua criação é vista como a colocação do fundamento
desse edifício.

O ponto que deve ser enfatizado nesta conexão é que, se mesmo os
destinados à vida eterna já haviam sido eleitos, então toda a glória de
sua salvação pertence a Deus, e a ele só. Portanto, “Bendito (seja) o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo!” Ver 2.5,8-10.

(6) Seu Propósito

O propósito da eleição se encontra nas palavras para que fôssemos
santos e irrepreensíveis perante ele. É digno de especial consideração
que Paulo não diz: “O Pai nos elegeu porque previu que iríamos
ser santos, etc. Ele diz: “para que (ou: a fim de que) fôssemos
santos”, etc. A eleição não foi condicionada pela previsão dos méritos
humanos, nem ainda pela previsão de sua fé. Ela é a raiz da salvação,
não seu fruto! Não obstante, também permanece verdadeiro que a responsabilidade
e auto-atividade do homem em nada se diminuem. Quando
o decreto divino para a salvação é historicamente efetuado na vida
de um indivíduo, isso não sucede através de coação externa. Ele motiva,
capacita, atua. Impele, porém não compele. A melhor descrição provavelmente
seja a que se acha em Os Cânones de Dort III e IV. 11,12.
“Além disso, quando Deus executa este seu beneplácito nos eleitos,
ou opera neles a verdadeira conversão, não só determina que o
evangelho lhes seja previamente pregado, e que se lhes ilumine poderosamente
suas mentes pelo Espírito Santo, a fim de que entendam e
discirnam corretamente as coisas que são do Espírito Santo, mas também,
pela eficácia do mesmo Espírito regenerador, permeia os recessos
mais íntimos do homem, abre o coração que está fechado, quebranta
o que está endurecido, circunda o que está incircunciso, infunde na
vontade novas qualidades, e faz que a vontade outrora morta seja vivificada,
a qual, em vez de má, é agora boa; que tinha má vontade, e que
agora tem boa vontade; que era rebelde, mas que agora é obediente; ele
agiliza e fortalece de tal maneira essa vontade para que seja capaz de
ser árvore boa e produza frutos de boas obras ... Assim a vontade, uma
vez renovada, não só é agilizada e movida por Deus, mas também, uma
vez dinamizada pelo Espírito, ela mesma se torna também ativa. Pelo
que se diz corretamente que o homem mesmo, em virtude da graça
recebida, crê e se arrepende.” (Ver Fp 2.12,13 e 2Ts 2.13.)
À luz do propósito já estabelecido, é evidente que a eleição não
conduz o homem apenas metade do caminho, e sim o conduz o caminho
todo. Não meramente o traz à conversão; na verdade, o traz à perfeição.
Propõe-se a fazê-lo santo – e nada menos que esta é a meta
consciente daqueles em cujos corações Deus já começou a operar seu
plano de eterna eleição. E sua meta começa nesta presente vida (Lv
19.2), chegando à sua total e final realização no porvir (Mt 6.10; Ap
21.27).

A perfeição absoluta e imutável da meta ética recebe uma ênfase
adicional através da frase “diante dele”, ou seja, diante de Deus em
Cristo. O que se deve levar mais em conta não é o que somos pela
avaliação dos homens, e sim o que somos aos olhos de Deus.

Livro Comentários do Novo Testamento - William Hendriksen - Pág. 89-94

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